Como saber se sua opinião é radical ou não

Teógenes Moura
4 min readApr 2, 2017

Uma das partes mais interessantes de transitar entre duas áreas do conhecimento distintas (exatas e humanas) numa universidade é conviver com pessoas e amigos de ambas as áreas, cercados pela própria realidade deles e por outros amigos (em comum ou não), que ajudam a formar a experiência e opiniões de cada um.

Ser graduando em Engenharia de Computação significa que muitas das pessoas com quem convivo durante o dia estão divididos entre colegas da minha própria turma e de cursos parecidos, como Ciência da Computação e Engenharia Elétrica. Por outro lado, ter um apego às humanas me leva a outros ambientes completamente distintos, principalmente Simulações das Nações Unidas e mais recentemente, minha pesquisa aplicando computação (Blockchain) na Ciência Política. Os dois grupos, como você pode imaginar, são bem diferentes entre si: Modo de se vestir, de falar, de pensar, interesses, quase nada se encontra numa interseção entre ambos. Uma característica, no entanto, junta pessoas dos dois grupos: a radicalidade.

Em ambos os grupos, em geral as pessoas tem opiniões políticas, sociais e eventualmente econômicas definidas ou em formação. Seja com tendências para a esquerda ou direita, dá para perceber que maioria está aberta a tentar entender o outro lado (ou outros lados), por mais distante do pensamento deles que pareça. São amigos de esquerda que conseguem citar e explicar temas liberais (tidos como de direita), e amigos que se identificam como direita, que vêem nas pautas sociais (como violência contra transgêneros e mulheres) questões importante e que merecem ser discutidas e levadas em conta (Isso sem falar daqueles que, como eu, acreditam que ambas não pertencem a um lado ou outro, e sim que tocam a todos nós).

Os radicais não. Em ambos os grupos, há sempre uma pessoa (ou várias) cujas ideias, para elas próprias, são o certo. É zero ou um: Ou uma ideia está certa ou está errada. O mais interessante, é que muitas vezes elas próprias não percebem que tem essa linha de raciocínio e se julgam sempre abertas a outras visões. Quando expostas a essas outras opiniões no entanto, você já sabe: Reagem com indiferença, desprezo, arrogância ou alguma característica parecida. Como falta o famoso semancol* para esse grupo (não tão) querido, vou propor um teste simples que você pode aplicar nos seus próprios colegas para saber o quão radical é seu grupo de influência:

Peça para que eles defendam, por 1 minuto ou 2, uma visão completamente distinta daquela que acreditam. Se o sujeito (ou a sujeita) é daqueles que se identifica mais com a direita, peça para discursar sobre um tema de esquerda como se fosse um ativista de esquerda. Por exemplo, peça para ele falar em prol das cotas raciais em universidades públicas, ou da liberação da maconha, ou da legalização do aborto ou algum tema parecido, e veja como é a fala dele. Se for mais próximo da esquerda, proponha alguma pauta no ramo: Redução do tamanho do Estado, porte de armas, e temas parecidos. Veja como eles falam. Os argumentos postos são bem embasados e demonstram um conhecimento real sobre a questão ou é só algo superficial que não entende de fato? É claro que ninguém precisa ser especialista sobre tudo (ou sobre nada também, tudo bem). Porém, se você acha que "cotas são imbecis!!!!!" ou algo do tipo, eu espero fortemente que você entenda muito do assunto para ter uma opinião tão forte. Na minha experiência, aqueles que não conseguem ou sofrem muito para se botar do outro lado, usualmente têm as opiniões mais extremas sobre suas próprias crenças, e justamente por isso, tendem a ver as opiniões divergentes como "absurdo","inaceitável" e o tradicional "larga de ser burro e vai estudar".

Essa experiência passa longe de ser nova: É o famoso jogo do minuto, tradição nas simulações citadas anteriormente que encoraja os alunos a se botarem num lugar completamente fora da zona de conforto ao ter de defender, mesmo que por apenas um minuto, algo que eles discordam diametralmente. Foi fazendo vários desses exercícios, que ao longo do tempo, fui percebendo que o mundo é muito mais tons de cinza do que binário, e que talvez aquela pessoa com quem antes eu nem teria uma conversa por discordar completamente, tenha uma história e experiências que a levaram a ter aquelas opiniões, e que quando ambos estamos dispostos a nos botar um no lugar do outro, fica muito mais fácil ter uma conversa agradável e um diálogo construtivo. Veja: Não é necessariamente concordar com ela, mas sim entender o porque dela ter aquela opinião, e além disso que muito provavelmente ela representa não apenas ela, mas várias outras pessoas com experiências semelhantes que eu nunca teria entendido caso contrário.

Mais do que isso, representa uma oportunidade de rever seus próprios posicionamentos: Afinal, se você não consegue entender o outro lado, o que foi que me levou a defender o que defende hoje?

Semancol: Latim antigo para "se toca, rapá"

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